18 de out. de 2013

MEMÓRIAS DOCES, DOCENTES

O dia do professor passou, mas eu fiquei com a necessidade de postar alguma coisa. Então, resolvi fazer um esforço de memória no sentido de me recordar daqueles que marcaram de alguma forma os anos de estudos que me envolveram por tantos anos.
A primeira de que me lembro claramente é a profa. Maria José. Ela lecionava as primeiras letras, como diriam os muito antigos, em um colégio público de Vila Valqueire. Sempre arrumadinha e perfumada, era a queridinha das mães. Um dia foi afastada de nossa turma o que provocou muita choradeira e reclamação. No ginásio, lembro-me de uma professora de inglês que esbofeteou várias vezes o Mauro, aluno tagarela que incomodava bastante. O garoto ficou com as faces vermelhas e a professora sumiu. Eu não gostava deles, mas fiquei incomodado com o vaivém do rosto juvenil sob o impacto dos sonoros tapas.
Houve um professor que delirava ao falar de Capitu e Bentinho e ficou encantado com uma redação que fiz sobre a dupla machadiana. Eu estava então no segundo grau, época em que a professora de biologia passava apuros com a minha turma, por conta do impacto causado por suas generosas curvas nos hormônios florescentes da rapaziada. O professor de matemática arregalava os olhos quando alguma pergunta era feita, gesto que eu considerava divertido. E os professores elegantes de contabilidade que transpiravam conhecimento? Eu os respeitava...
Na universidade minha relação com os professores foi ambígua. Eu detestava os professores dogmáticos, que utilizavam sua posição para fazer doutrinamento de jovens. Briguei com alguns e fui punido com o rigor da nota - esse instrumento clássico de castigo. Dentro de mim ficou a impressão de serem pessoas rancorosas e vingativas e hoje os considero tão somente profissionais medíocres. Nas especializações, lembro-me do professor de história que parecia uma versão tupiniquim de Fidel, pois falava sem parar. Da professora que me mandou um bilhete, insistindo para que eu continuasse nos estudos. Ela me emprestou um livro, que jamais devolvi, por não ter como. No mestrado destaco meu orientador, professor Helmuth, o homem mais culto que conheci na vida. Ele dava suas aulas impecavelmente vestido; cartesiano, polido, educado, um alienígena no Brasil. Era chamado de conservador, um "porre", "João, por que você não troca de orientador?" Devo dizer que pouco aprendi com meu orientador. Em termos formais, diga-se. Não aprendi conteúdos, mas foi com este velho docente que conheci a generosidade intelectual, no estilo "não concordo com o que diz, mas morrerei defendendo o seu direito de dizer o que quiser". Ele não apreciava as teorias de minha predileção, mas confiava e passava confiança para que eu desenvolvesse as ideias. Um kantiano, sapere aude, OUSE SABER, máxima iluminista que condizia perfeitamente com a proposta pedagógica do professor Helmuth. Formal e chato, generoso e culto. Não ministrava aulas, fazia concertos de ideias, mal comparando, um show de bossa nova. Já com a professora Angela Arruda, no doutorado, conheci o significado da palavra intelectual. Humilde, desafetada e brilhante, docente que remoçava ao rir ou expor seus conhecimentos. Uma típica professora da UFRJ, de quem ainda sinto saudades. Mas conheci também nesse segmento um professor que nos mandava ler jornal e não trabalhava; no mestrado, uma que alardeava sua formação no exterior; outra que considerava os alunos insignificantes e assim por diante.
Ao me recordar de professores, penso também naqueles que conheci como colegas de trabalho. Destacaria a professora de município que adorava reprovar ou o professor de psicologia que se mostrava inseguro nos momentos iniciais de sua carreira. Eu me recordo de meus amigos Leonardo e Walter, estudiosos e... Eu me dou conta de que poderia escrever horas e horas sobre esse assunto. Conheci canalhas e mal intencionados, preguiçosos, carreiristas, assim como gente boa, brilhante, sincera, batalhadora. Aquele professor de geografia que conheci no Estado, seu rosto suado ainda tenho em mente, a carga horária sobre seus ombros... E o professor, diretor, supervisor, intelectual com seus oito mil livros... E tantos outros, muito loucos, estranhos e bizarros, de costumes inacreditáveis e talvez doentes. 
É claro que em uma classe tão numerosa a generalização só é possível no discurso piegas dos manuais ou autoridades da área. Professores são seres humanos complexos, o que pode ser outro chavão no final das contas, mas que dá conta desta diversidade de personalidades, interesses e atitudes. Uma coisa é certa - e preciso encerrar esse texto que acabou se avolumando além da conta. Enquanto profissionais, somos lembrados pelo que fazemos. A questão é: como quero ser lembrado? Como a professora que encheu o rosto do aluno chato de tapas ou como os professores de contabilidade de meu curso técnico? Como o professor que não trabalhava ou aquele que estimulava a ousadia intelectual? O bonzinho, que é bom por compreender o outro, ou o bonzinho que simplesmente evita polêmica? Espero que, pelo menos na média geral, eu seja uma boa recordação nas cabeças e corações de meus alunos...

Um comentário:

Cafo... disse...

Você sempre será um excelente professor porque é uma pessoa consciente das suas imperfeições. Nunca foi mais nem menos...apenas foi e continua sendo...como um rio. Osho:
“Sempre permaneça aventureiro.
Por nenhum momento se esqueça de que a vida pertence aos que investigam.
Ela não pertence ao estático;
Ela pertence ao que flui.
Nunca se torne um reservatório,
sempre permaneça um rio.”