24 de fev. de 2013

EMAIL OU MISSIVA


 Transcrevo o diálogo por email:


(Querido é muito gay, digo, caro Léo:)
 
Após a minguada refeição, eis que me deparo com o email do prof. Bahiense. Houve o tempo das missivas e me lembro do deleite provocado pelas cartas de Capistrano de Abreu ou então pela correspondência entre Machado de Assis e Joaquim Nabuco. Agora, fala-se por email e no limiar de uma piscada de cursor o destinatário receberá sua mensagem. Voltemos ao Léo Bahiense. Pensei de pronto: em uma obra extensa o que importa é a tese central, o resto é adereço. Said criou um conceito que expressa uma alteridade histórica inquestionável. Já comentei a questão alhures, prefiro me concentrar na parte em que o Bahiense se refere à Mário Filho que, após sua morte, teriam achado material pornográfico entre seus pertences póstumos. Como é possível que um "monogâmico" (o termo é do Léo) tenha conteúdo pornográfico escondido?
Não disponho de informações suficientes. O sujeito poderia ser monogâmico e extremamente libidinoso, não vejo contradição nisso. Por outro lado, como disse Osho, no interior de cada santo há sempre um pervertido. A psicanálise junguiana afirma que dentro de todos há um lado "sombra, responsável por desejos e apetites inconfessáveis. É fácil prolongar os argumentos a favor desta complementaridade entre opostos. Quem pode imaginar, por exemplo, que um professor tão culto e dinâmico esconde a complexa personalidade delirante de um Leonardo Bahiense?
Todos nós temos nossos segredos e, parafraseando o clássico fado, "nem às paredes confesso". Não me vejo morto, pois ainda tenho muito a fazer e dizer. E nem acredito que orações ou magia tragam êxito em concursos. Pelo que vejo há um mix de competência, politicagem e sorte! Nessa ordem, se tudo correr bem. Mas creio que o magistério seja muito pouco para o meu amigo. No máximo, garantirá o feijão com arroz. Se minhas preces tivessem qualquer prestígio no céu, eu rogaria aos céus que portas maiores se abrissem, como por exemplo, um secretaria de governo, um programa na Globo, um cargo na ONU...
Jg
 
 
Sent: Sunday, February 24, 2013 11:07 AM
Subject: sobre enigmas e magias

Querido João,

estou aqui vencendo a obra do Said, extremamente erudito. Para além da tese central, o livro derrapa em um exercício retórico cansativo (afora uma má vontade com o Ocidente). Mas reconheço a importância do texto. Comprei dois críticos de Said em inglês, que questionam especificamente o seu "Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente". Quando tinha vinte e poucos anos, saindo da faculdade, li a biografia de Nelson Rodrigues de Ruy Castro. O jornalista mostrou como a família Rodrigues foi prejudicada pela Revolução de 30, como Nelson começou no jornalismo e também no teatro. Um dos pontos altos da obra é quando Ruy fala do irmão de Nelson, Mário Filho. O cara foi um grande promotor cultural no Rio de Janeiro; conservadoramente casado, grande nome do "Jornal dos Esportes" (de folha rosa, lembra?). Foi ele quem promoveu corridas de automóvel em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas e celebrizou a expressão "Fla-Flu". Surpreendentemente, o leitor é informado no final do livro que, embora fosse um reconhecido monogâmico, após a morte de Mário, caixas e caixas de cadernos com contos pornográficos foram encontrados atrás de seu escritório no Jornal dos Esportes. Por um momento, entre as folhas de Said, meu pensamento, ave de plumagens cambiantes, conduziu-me a seguinte pergunta: qual o segredo de João? Com sua morte quais os enigmas que virão a lume? Bruxo, pedir para você rezar por mim seria uma piada, mas um pouco de magia para que eu passe nos concursos que farei esse ano não lhe custará nada ...


saudades,

Leo   

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