24 de out. de 2012

O Tempo e as Nuvens



O tempo é cruel. Eu passava os olhos em um filme antigo enquanto minha mãe identificava os artistas. Era uma tarde de chumbo na primavera. Os artistas principais, Oscarito e Grande Otelo. Havia uma vedete, esqueci-me do nome, e também Dircinha Batista, Herivélto Martins, entre outros. Todos mortos. E reconheci no musical a comediante que anos depois veria em fim de carreira como Dona Bela. Ah! Lembrei! Renata Fronzi. Sim! Bailarina escultural na década de 1950, que lembro vagamente ter participado da Família Trapo. O tempo passou e a tarde de nostalgia também já é lembrança.
O tempo não é cruel. Tal como Cronos, o gigante que comia os seus filhos na mitologia grega, é uma invenção humana. Relativa, diga-se de passagem, desde Einstein. A memória é a matéria prima da história, a síntese que dá sentido ao turbilhão de fatos cotidianos. Talvez a memória seja cruel, pois deforma e seleciona aquilo que pode ou deve ser lembrado. É Mnemosine, a titanide grega, filha de Urano e Gaia. Em psicologia social, estudei sem tal romantismo os diferentes tipos de memória: coletiva, pessoal, e assim por diante. A memória deriva da atividade humana em sociedade; neste sentido é possível dizer que não há memória individual absoluta.
A memória não é cruel. Os neurocientistas apontam a química dos neurônios e a atividade do hipocampo como as bases de funcionamento das memórias, no plural mesmo. A estrutura localizada nos lobos temporais, hipocampo, é responsável por aquilo que se guarda e aquilo que se esquece. Eu sempre quis me livrar de algumas lembranças. Por exemplo, o nome do músculo do pescoço: esternocleidomastóideo. Decorei para uma prova de biologia e nunca mais consegui me livrar deste palavrão, literalmente. Não tenho como ordenar ao cérebro que apague o registro.
Porém, há um novo ingrediente, senão vejamos. Não faz muito tempo (quase um trocadilho), o que se via no passado, lá ficava. Agora, basta um simples clique no Youtube e pronto, o passado emerge como em passe de mágica! E foi assim: eu e meu filho assistimos o Túnel do Tempo. Foi estranho compartilhar com ele algo que é do meu passado. Ele gostou e por isso não lhe  contei que os computadores gigantescos eram movidos a botões e válvulas. E no fim de semana, conversei animadamente com minha mãe sobre Renata Fronzi, Oscarito e outros artistas do seu passado. As novas tecnologias trazem a relatividade do tempo até nós, comuns mortais, nós que não entendemos de equações e mundo quântico. De repente, Doug e Tony estão novamente vivos e também Anquito, Cyl Farney, entre outros tantos que agora “vivem” nos territórios do ciberespaço.
- Eis que, no exato instante em que penso em tais coisas, recebo uma mensagem no celular me convidando para contribuir com um periódico local. É o que Jung chama de sincronicidade, mas isso é outra história.

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