O
tempo é cruel. Eu passava os olhos em um filme antigo enquanto minha mãe
identificava os artistas. Era uma tarde de chumbo na primavera. Os artistas
principais, Oscarito e Grande Otelo. Havia uma vedete, esqueci-me do nome, e
também Dircinha Batista, Herivélto Martins, entre outros. Todos mortos. E
reconheci no musical a comediante que anos depois veria em fim de carreira como
Dona Bela. Ah! Lembrei! Renata Fronzi. Sim! Bailarina escultural na década de
1950, que lembro vagamente ter participado da Família Trapo. O tempo passou e a
tarde de nostalgia também já é lembrança.
O
tempo não é cruel. Tal como Cronos, o gigante que comia os seus filhos na
mitologia grega, é uma invenção humana. Relativa, diga-se de passagem, desde
Einstein. A memória é a matéria prima da história, a síntese que dá sentido ao
turbilhão de fatos cotidianos. Talvez a memória seja cruel, pois deforma e
seleciona aquilo que pode ou deve ser lembrado. É Mnemosine, a titanide grega,
filha de Urano e Gaia. Em psicologia social, estudei sem tal romantismo os
diferentes tipos de memória: coletiva, pessoal, e assim por diante. A memória
deriva da atividade humana em sociedade; neste sentido é possível dizer que não
há memória individual absoluta.
A
memória não é cruel. Os neurocientistas apontam a química dos neurônios
e a atividade do hipocampo como as bases de funcionamento das memórias, no
plural mesmo. A estrutura localizada nos lobos temporais, hipocampo, é
responsável por aquilo que se guarda e aquilo que se esquece. Eu sempre quis me
livrar de algumas lembranças. Por exemplo, o nome do músculo do pescoço:
esternocleidomastóideo. Decorei para uma prova de biologia e nunca mais
consegui me livrar deste palavrão, literalmente. Não tenho como ordenar ao
cérebro que apague o registro.
Porém,
há um novo ingrediente, senão vejamos. Não faz muito tempo (quase um
trocadilho), o que se via no passado, lá ficava. Agora, basta um simples clique
no Youtube e pronto, o passado
emerge como em passe de mágica! E foi assim: eu e meu filho assistimos o Túnel
do Tempo. Foi estranho compartilhar com ele algo que é do meu passado. Ele
gostou e por isso não lhe contei que os
computadores gigantescos eram movidos a botões e válvulas. E no fim de semana,
conversei animadamente com minha mãe sobre Renata Fronzi, Oscarito e outros
artistas do seu passado. As novas tecnologias trazem a relatividade do
tempo até nós, comuns mortais, nós que não entendemos de equações e mundo
quântico. De repente, Doug e Tony estão novamente vivos e também Anquito, Cyl
Farney, entre outros tantos que agora “vivem” nos territórios do ciberespaço.
- Eis que, no exato
instante em que penso em tais coisas, recebo uma mensagem no celular me
convidando para contribuir com um periódico local. É o que Jung chama de
sincronicidade, mas isso é outra história.
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