3 de mai. de 2009

UM TRECHO

Trecho do artigo que escrevi com a professora Angela Arruda e deixo aqui um pedacinho em primeira mão:

" Uma reflexão psicossociológica sobre a gripe suína
A novidade é a gripe suína. Ela surge no México e se espalha rapidamente a outros países, embora até o momento as vítimas fatais estejam praticamente restritas ao país de origem. Pandemia: assim é caracterizada a gripe que mobiliza especialistas do mundo inteiro. A Organização Mundial de Saúde (OMS) elevou para 4 o nível de alerta da doença, numa escala que vai até 6. O noticiário se multiplica assim como as versões e atitudes, dando a impressão de que autoridades e especialistas não se entendem.
O que pretendemos aqui é fazer uma rápida reflexão apoiada na perspectiva inaugurada por Serge Moscovici – a teoria das representações sociais – e assim contribuir com uma visão psicossocial do fenômeno. A idéia do texto ocorreu pela constatação de que todo o noticiário de hoje está “contaminado” pela gripe suína. Assim, acompanhamos as informações divulgadas pela CBN e Bandnews FM, bem como em portais via Internet especializados em notícias, aqui citados[1].
Uma das possibilidades da teoria é dar conta da novidade, explicar como “algo” que surge e é inserido simbolicamente (representado) nos quadros de pensamento da sociedade. O pressuposto básico é que um fenômeno novo é ‘encaixado’, reconstituído, reelaborado a partir de categorias preexistentes e o resultado é um amálgama que passa a fazer parte do que se costuma chamar de conhecimento cotidiano ou senso comum.
Algumas pandemias mortais anteriores à gripe suína ainda estão bem vivas em nossa memória. Um estudo sobre as representações sociais de sul-africanos e britânicos sobre a AIDS, realizado por Hélène Joffe, descobriu que: “No Ocidente, sua origem é geralmente localizada na África. Os africanos, por sua vez, tendem a situar a origem da Aids no Ocidente – relacionando-a com colonialismo e imperialismo[2].” As explicações populares para a etiologia da doença são baseadas numa lógica própria do grupo, na qual a busca pela responsabilidade externa – jogar a culpa no outro, simplificadamente - é um mecanismo de defesa que serve para afastar psicologicamente a ameaça, tranqüilizando as pessoas. Já a gripe aviária tinha endereço e nome: asiática e de frangos. Os frangos contaminados foram abatidos para a alegria dos produtores do Brasil, onde a doença não se disseminou.
A doença pode representar um perigo assustador. Explicações sobre moléstias devastadoras fazem parte do imaginário popular construído ao longo da história, desde as pestes descritas na Bíblia, passando pelo flagelo da peste negra e pelo “romantismo” da tuberculose, tão bem estudada no clássico de Susan Sontag, Doença como metáfora / Aids e suas metáforas (São Paulo: Cia. das Letras, 2007). Agora, a gripe suína invade os meios de comunicação. Mecanismos tradicionais são mobilizados para entender a nova epidemia. Autoridades e especialistas se revezam nos microfones e textos. Na verdade, a sociedade tenta explicar o fenômeno, já que a estabilidade cotidiana foi rompida por uma novidade potencialmente mortal. Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (ABIPECS), Pedro de Camargo Neto, a expressão é indevida. A gripe em sua opinião deveria se chamada de gripe mexicana e não suína. Afirma: “Não há animal doente, a propagação é de homem a homem. Trata-se de um problema sério de saúde pública”[3]. Mas para a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) “o nome da doença está incorreto e deveria chamar-se ´gripe americana´, já que tem origem na América do Norte. Segundo a OIE, não há nenhum porco afetado. Por isso, o nome mais adequado deveria ser influenza americana, assim como foi denominada a gripe que atingiu o mundo...”[4] A polêmica sobre nomes não é um mero detalhe, pois todos os detalhes fazem parte da intensa negociação que cerca a questão. A disputa em torno do nome não é ingênua; ela define o território de ação e de imaginação, com atribuições de responsabilidade e decisões a serem tomadas. As disputas simbólicas se esteiam em interesses e projetos específicos, e almejam desdobramentos bem concretos.
[1] Não temos a pretensão de uma descrição exaustiva; os exemplos servem apenas para ilustrar a gênese da representação social. Mas não há como resistir. Nesse exato momento, na TV5MONDE, retransmitida pelo sistema Sky, o âncora entrevista um especialista que faz uma demonstração de produtos de higiene e um tipo de óculos especial para evitar contaminação pela pandemia. 28/04/2009, 20h:13.
[2] JOFFE, Hèlène. “Eu não”, “o meu grupo não”: Representações Sociais transculturais da Aids. In: GUARESCHI, P. & JOVCELOVITCH, Sandra (orgs.). Textos em Representações Sociais. Rio de Janeiro: Vozes, 1994. 2ª edição."

Um comentário:

Aline disse...

Não quero me arriscar comentando um texto tão impecável...e nem vou!Você é mestre...e como dizia meu pai entende do "riscado".
Deixo aqui apenas minha humilde contribuição...Após observar o cotidiano da população: Não percebi grandes preocupações com a gripe suína ou gripe A. Hoje passei por um vendedor de carne de porco, um senhor de idade que tranquilamente vendia seu "peixe", alheio as mazelas que se proliferam no mundo. Outras pessoas se beijavam, cumprimentavam...marcavam uma cervejinha para a hora do jogo...Penso que a população vive em suspense sempre pronta para o pior...e nos intervalos se permite viver a parcela de felicidade que lhe cabe. O porco, o frango continuarão sendo bem vindos nas mesas...o tom dramático do jornalismo parece surreal...A realidade de hoje, é a vida que se vai...o tiroteio que deixou um rapaz sem parte da cabeça e a massa encefálica ali, no asfalto...Os tiros se misturavam ao gol do Flamengo...São fogos? Também são tiros...Nem porco, nem frango o povo mata é um leão por dia...para sobreviver...