10 de mai. de 2009

EXÉRCITO DE BRANCALEONE

Li uma reportagem acerca do procedimento de algumas empresas que estariam buscando informações no orkut e em blogs na hora de contratarem funcionários. As preferências dos candidatos, suas opiniões e amizades seriam levadas em consideração, além do tradicional currículo. Quer dizer, o conservadorismo agora entra em fase digital.
Fui durante sete anos empresário. O tipo de negócio requeria o serviço de entregadores, que formavam a maior parte dos meus funcionários. Era um exército de brancaleone. Um deles era um ex-alcoólatra, Vítor. Esquálido, macerado, enfim, um autêntico personagem de Euclides da Cunha. Fiel e atencioso, incansável - não tinha tempo ruim. Não conseguia emprego porque já tinha idade e ainda tinha recaídas. Mas nunca tive problemas com ele e nem com a Jô - lésbica, parecida com homem e com ares de malandra. Até ser contratada era uma eterna desempregada: por morar em Belford Roxo, ser lésbica e falar gírias. Jô era eficiente e adorada pelos clientes. Para não ficar contando casos, vamos ao último. Tinha o... esqueci o nome, apelidei-o de Sapo. Ex-presidiário, praticara pequenos furtos na adolescência. Sem emprego por causa do seu passado e também do presente: preto, morador de Belford. "Tá ligado?", dizia ao final de cada frase. Nunca me deu problema, era leal e muito grato pela oportunidade.
O meu princípio era muito simples: ninguém pode ser julgado pelo passado e não ter sequer oportunidade de ter futuro. A exclusão social é uma pena sem prazo, que não deixa margem à recuperação. Minha empresa admitia excluídos da sociedade que se mostravam leais, trabalhadores incansáveis e dignos.
Vigiar as pessoas por meio eletrônico é um procedimento anacrônico. Nas sociedades atuais a diferença é a tônica e não há mais a hipocrisia de uma padronização em nome da normalidade. Não há normalidade. Somos diferentes, cada qual ao seu modo. A mulher que gosta de strip em sua vida particular, o sujeito que frequenta bares gays, o rapaz fissurado em games, a jovem emo, o dark, o clubber, o roqueiro - todos eles podem ser ótimos profissionais, responsáveis, produtivos e bem-sucedidos.

2 comentários:

Aline disse...

Falar algo seria redundante...Só uma coisa...Este exército deve guardar você do lado esquerdo do peito...Dragão é dragão...

"A arte de interrogar é bem mais a arte dos mestres do que a dos discípulos; é preciso ter já aprendido muitas coisas para saber perguntar aquilo que não se sabe." [ Jean-Paul Sartre ]

Soraya disse...

Pois é... a eterna resistência ao fato de que ser “normal” é ser diferente e essas tentativas de padronização já não cabem, são cansativas, um verdadeiro “esforço pra alcançar o vento”